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Medidas controversas do governo francês conseguem acalmar protestos após a morte de Nahel

Mobilização massiva das forças de ordem, blindados nas ruas, detenções de mais de 6 mil jovens: o governo francês investiu em uma dura estratégia para acabar com a revolta após a morte do adolescente Nahel pela polícia, na semana passada. Dez dias após o início dos protestos, o país faz um balanço dos prejuízos materiais e das consequências das controversas medidas.


Cerca de 45 mil policiais foram mobilizados diariamente e mais de 6 mil jovens foram detidos durante onda de violência após a morte do adolescente Nahel, em 27 de junho.
© AP – Lewis Joly

O reconhecimento da gravidade da tragédia por autoridades francesas, nas primeiras horas após a morte de Nahel, não conseguiu evitar a maior revolta em quase duas décadas no país. Os sucessivos apelos por calma por representantes políticos também não foram ouvidos.

Na última sexta-feira (30), o governo anunciou um plano que incluiu blindados nas ruas, cancelamento de grandes eventos, proibição de manifestações, fim da circulação de ônibus e bondes às 21h, um efetivo de 45 mil policiais nas ruas, entre várias outras medidas que aproximaram a França de um estado de exceção. A estratégia parece ter dado certo: o país voltou a uma relativa calma nesta semana, com uma diminuição das violências e detenções, cujo total ultrapassou seis mil.

O grande temor era que o país fosse palco de uma crise de violência urbana como a de 2005, durante o governo de Jacques Chirac, quando a França viveu 21 dias consecutivos de distúrbios após a morte de dois jovens da periferia parisiense – Zyed Benna, de 17 anos, e o Bouna Traoré, de 15 anos. Durante uma perseguição policial na cidade de Clichy-sous-Bois, na periferia de Paris, os dois adolescentes se esconderam em uma subestação elétrica e morreram eletrocutados. A imensa revolta colocou à prova o governo, que se viu obrigado a decretar Estado de emergência para conter os distúrbios.

Dezoito anos depois, Macron conseguiu gerenciar a situação de uma forma relativamente rápida, evitando o Estado de exceção, como exigia a extrema direita, mas recorrendo a medidas polêmicas. O plano do governo veio acompanhado de atitudes e declarações controversas, como a responsabilização das famílias, com ameaças de multas a pais e mães dos jovens que participaram dos distúrbios, “uma tarifa mínima às famílias desde a primeira besteira” que um menor cometesse, como disse o presidente francês.

Bloqueio das redes sociais

Durante uma reunião nesta semana com 250 prefeitos de cidades que foram palco de violências, Macron propôs uma reflexão sobre as redes sociais, que o governo considera que tiveram um papel fundamental na organização dos protestos. “Quando as coisas esquentam, é preciso regular ou bloquear as redes sociais”, disse o presidente suscitando uma forte polêmica no momento em que o Senado francês debate um projeto de lei sobre a segurança dos espaços digitais.

Os jornais Libération e Le Monde chegaram a comparar a atitude de Macron à do presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, e a outros governos antidemocráticos, como a China e a Rússia, que recorrem a medidas autoritárias – como o bloqueio das redes sociais – para censurar e conter revoltas populares. Internautas também não pouparam o presidente de críticas, a ponto de mobilizar os conselheiros do chefe de Estado para garantir que as redes sociais serão censuradas.

Segundo o porta-voz do governo, Olivier Verán, ao fazer essa declaração, o presidente francês teria se referido à supressão da função de geolocalização de algumas plataformas, para impedir que os participantes desses protestos se reunissem facilmente. Mas, como lembrou o jornal Le Monde, “o papel desempenhado por esse tipo de funcionalidade nos distúrbios dos últimos dias aqui na França ainda é desconhecido”, portanto, a justificativa é “descabida”, avalia o diário.

Fim dos protestos

As violências começaram a diminuir no fim de semana e o país retomou à normalidade nos últimos dias, com protestos pontuais em algumas cidades. O imenso efetivo policial nas ruas e as detenções em massa parecem ter apaziguado o movimento, integrado por jovens das periferias, de 14 a 18 anos, do sexo masculino, sem nenhum líder ou reivindicação específica.

Sociólogos e cientistas políticos tratam os distúrbios como uma expressão da revolta com as violências policiais e com o desdém das autoridades em relação a essa camada da população que se sente abandonada e invisibilizada.

“Não levamos suficientemente em consideração o que significam essas abordagens policiais frequentes de meninos nas periferias, que acabam pensando: ‘o que aconteceu com Nahel pode acontecer comigo’”, avalia, em entrevista ao jornal Le Parisien, o sociólogo Fabien Truong, ex-professor de uma escola de Ensino Médio da região de Seine-Saint-Denis, na periferia de Paris.

Para Truong, a relação da polícia com os jovens da periferia não melhorou desde 2005. “Temos hoje policiais que não conhecem nem os bairros pobres, nem os moradores deles. A missão da polícia é prender jovens das periferias. Um adolescente que circula nessas comunidades é visto como um culpado pela polícia”, diz.

Policial indiciado

Enquanto ensaia uma volta à normalidade, as investigações continuam. O policial responsável pelo tiro que matou Nahel foi indiciado por homicídio doloso na semana passada. Em seu último depoimento, nesta semana, ele voltou a mencionar legítima defesa e sua prisão preventiva foi prorrogada.

Apesar da calma relativa, a questão do tratamento dos jovens das comunidades desfavorecidas segue em aberto. Cerca de 90 manifestações foram convocadas pelo partido da esquerda radical França Insubmissa para sábado (8) em várias cidades francesas. O objetivo é pedir uma reforma da polícia e a elaboração de um projeto social para as periferias.

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