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Governo fracassa em diálogo com sindicatos sobre reforma da Previdência; franceses voltarão às ruas


A reunião entre sindicalistas e autoridades do governo francês fracassou. 5 de abril de 2023
REUTERS – POOL

A reunião de diálogo convocada nesta quarta-feira (5) entre o governo francês e a frente sindical ampla que contesta a reforma da Previdência terminou em fracasso. O 11° dia de mobilização popular contra a aplicação do texto, previsto nesta quinta-feira (6), já tem 370 manifestações convocadas em todo o país. Em visita à China, o presidente Emmanuel Macron informou que irá receber os líderes sindicais para uma conversa nas próximas semanas.

Adriana Moysés, da RFI

A primeira-ministra Élisabeth Borne iniciou a reunião com os líderes sindicais no Palácio Matignon, sede do governo francês, dizendo que estava aberta para discutir propostas trabalhistas, mas que manteria o aumento da idade mínima da aposentadoria aos 64 anos. Os líderes sindicais decidiram, então, ir embora do local devido à “intransigência” e “irresponsabilidade” do governo.

As lideranças não esperavam um recuo completo do Executivo, mas reagiram de prontidão à inflexibilidade da chefe de governo. Laurent Berger, líder da CFDT, central reformista que defende o diálogo e a busca de consenso para fazer avançar as pautas trabalhistas, foi o primeiro a se levantar e decretar a reunião encerrada, em nome da frente ampla. Ele afirmou que o país atravessa “uma grave crise democrática” provocada pelas autoridades.

Berger lançou a bola para o campo do Conselho Constitucional, que deve dar seu parecer sobre a reforma em 14 de abril. “A responsabilidade do Conselho Constitucional é ver que nossa democracia precisa de apaziguamento”, declarou o secretário-geral da CFDT.

Os juízes deste organismo darão seu parecer sobre recursos da oposição e sobre o Referendo de Iniciativa Compartilhada (RIP), um mecanismo reclamado pela coligação de esquerda Nupes para validar ou suspender a aplicação da reforma.

“Nós tínhamos avisado a primeira-ministra que não havia outra saída democrática (à crise social) a não ser a retirada do texto”, afirmou Cyril Chabanier, presidente da CFTC, ao término do encontro. “Explicamos novamente a ela quanto esta reforma é injusta e violenta”, insistiu Chabanier, que lamentou não ter sido “ouvido”.

A recém-eleita Sophie Binet, nova secretária-geral da CGT, lamentou uma reunião “inútil”. “É uma bofetada na cara de milhões de pessoas que estão nas ruas (…) esta estratégia é violenta e irresponsável”, disse a sindicalista de 41 anos. Para Binet, o governo age com “radicalidade”, “desconectado” da realidade do país e de forma “obtusa”.

Por sua vez, a primeira-ministra garantiu que, apesar das discordâncias, ela não previu “avançar (nas medidas trabalhistas) sem os parceiros sociais”.

Macron decide receber sindicatos

Em visita à China, o presidente Emmanuel Macron reagiu à declaração de Berger, da CFDT, que apontou a existência de “uma grave crise democrática” no país, já que a reforma foi adotada sem a votação dos deputados, e o governo permanece ignorando a mobilização popular contra o projeto.

“Se as pessoas não queriam os 64 anos, não deveriam ter posto Macron à frente no primeiro turno da eleição (presidencial)”, retrucou um assessor do presidente que o acompanha na visita a Pequim. “Não existe crise democrática”, acrescentou esta fonte para um repórter da rede France Télévisions.

“As palavras têm um significado. Se um presidente eleito tenta realizar um projeto para o qual foi eleito, isso não pode ser chamado de crise democrática. Se você faz o que não foi eleito para fazer, isso, sim, representa um problema democrático. Nenhuma força social e política (de oposição) quis costurar um compromisso (sobre a reforma)”, explicou o porta-voz da delegação de Macron.

O presidente continua apostando em ganhar a queda de braço com os sindicatos e 70% de franceses contrários à reforma pelo cansaço. “No passado houve muito mais pessoas nas manifestações (nas reformas previdenciárias anteriores). Nas últimas semanas, o índice de grevistas tem sido extremamente baixo”, continuou o porta-voz. Ainda de acordo com esta fonte, “Macron receberá os sindicatos nas próximas semanas”.

Imprensa aponta fiasco do governo

A imprensa francesa vê o encontro da premiê Élisabeth Borne com os líderes sindicais como um fiasco sob vários ângulos. Para pôr fim às greves e manifestações, nas últimas semanas a frente sindical acenou com várias alternativas ao governo: a “retirada” pura e simples da reforma, uma “pausa” para diálogo, a convocação de “uma conferência social para discutir questões relacionadas com a insalubridade, o trabalho dos sêniores, o valor do trabalho e desigualdades salariais”. Mas o governo recusou todas as propostas, apostando numa divisão, cedo ou tarde, da unidade sindical. Esta estratégia, considerada “arrogante” para muitas pessoas, só aumenta a adesão dos franceses ao movimento social contra a reforma.

Os bloqueios a refinarias de petróleo continuam, causando problemas de abastecimento de gasolina e diesel na região parisiense e outras áreas do país.

Os opositores à reforma multiplicam as ações em pontos turísticos da capital. Nesta manhã, sindicalistas do setor da Cultura conseguiram estender durante alguns minutos uma extensa faixa no terraço do Arco do Triunfo, na avenida Champs-Élysées, com a frase “64 anos não”.

Radicais engrossam manifestações

O 11º dia de protestos e greves contra o aumento da idade da aposentadoria, nesta quinta-feira (6), já tem 370 manifestações programadas em todo o país, um número bem mais expressivo do que na semana passada. Os sindicatos pretendem nesta ocasião “mostrar que a mobilização ainda é poderosa”.

Os lixeiros retomaram as greves em várias cidades do país. Em Paris, os garis vão parar por tempo ilimitado a partir de 13 de abril.

O Ministério do Interior prevê a participação de 600 mil a 800 mil pessoas nas passeatas em todo o território, de 60 mil a 90 mil manifestantes apenas na capital. O esquema policial será robusto: 11.500 agentes no plano nacional e 4.200 homens na capital. Em Paris, a marcha dos sindicatos sai às 14h no horário local, 9h de Brasília, da praça dos Inválidos (7° distrito) na direção da praça da Itália (13°), na zona sul da cidade.

Os serviços de Inteligência também antecipam a participação de centenas de radicais e admitem que além de ativistas de extrema esquerda, os protestos contam cada vez mais com militantes de perfil heterogêneo, adeptos da violência contra a autoridade do Estado – jovens feministas, estudantes, coletes amarelos, complotistas e outros cidadãos insatisfeitos com a atuação do presidente Emmanuel Macron.

Adriana Moysés, da RFI

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