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Paris Air Show: aviação tem desafio de se descarbonizar em meio a alta inédita da demanda

Um novo paradigma está em curso na aviação mundial, movendo investimentos que se contam em bilhões de dólares: até 2050, o setor promete não emitir mais CO2 na atmosfera. Mas, ao mesmo tempo, nunca a demanda por voos foi tão aquecida, com perspectiva de dobrar nos próximos 20 anos, conforme antecipam as duas maiores construtoras do planeta, Airbus e Boeing. Como o objetivo ambiental poderá ser compatível com o aumento ainda maior dos aviões em circulação?


Avião híbrido elétrico Voltaero Cassio 330 é exposto no Salão Internacional da Aeronáutica de Paris, em Le Bourget. (19 de junho de 2023)
AFP – EMMANUEL DUNAND

A resposta, alegam as grandes fabricantes do setor, está na tecnologia. O assunto é um dos focos do Paris Air Show, ou Salão do Bourget, que acaba de abrir nos arredores da capital francesa. O evento coroa a retomada mais dinâmica do que o previsto, após o tombo durante a pandemia de coronavírus.

Só na França, o setor contratou 18 mil pessoas em 2022 e mais 25 mil devem ser chamadas neste ano – para atender a um número de passageiros que, no que vem, já deve ser maior do que o registrado antes da crise da Covid-19. A companhia Air France, por exemplo, vai aproveitar a feira de aeronáutica para contratar pessoal.

“Nós vamos precisar de cerca de 600 pilotos, 600 mecânicos e técnicos de aeronáutica e cerca de 300 funcionários em altos postos, em diversas funções. É muito bom”, afirma a diretora de recursos humanos da empresa, Valérie Molenat, ouvida pela France Inter. “Nós tivemos que nos adaptar a uma nova frota, com as obrigações de descarbonização. Decidimos renovar a nossa frota – o que atrai novos pilotos.”

Maior encomenda da história

As encomendas de novos aviões menos poluentes disparam. Já no primeiro dia do evento, que espera ter mais de 300 mil visitantes até domingo (25), a Airbus fechou o maior contrato da história da aviação civil: 500 aeronaves A320neo para a companhia indiana de baixo custo IndiGo, num valor estimado em US$ 55 bilhões.

O modelo promete ser de 15 a 20% mais econômico em combustível e em emissões de CO2, uma obrigação que será cada vez mais rigorosa na aviação – responsável por entre 5 a 6% dos gases de efeito estufa que provocam o aquecimento do planeta. Em outubro passado, 193 países membros da Organização da Aviação Civil Internacional chegaram a um acordo para atingirem a neutralidade de carbono até 2050.

Presidente francês, Emmanuel Macron, conhece avião elétrico Integral, de dois lugares, durante a sua visita ao Salão do Bourget. (19 de junho de 2023)
Presidente francês, Emmanuel Macron, conhece avião elétrico Integral, de dois lugares, durante a sua visita ao Salão do Bourget. (19 de junho de 2023) via REUTERS – POOL

A movimentação em busca de modelos mais econômicos – que são também menos poluentes – se iniciou há várias décadas. Desde 1960, as emissões de CO2 por passageiro caíram para cinco vezes menos, graças aos avanços tecnológicos. O problema é que, no período, o número de passageiros cresceu 45 vezes, conforme apontou um estudo da organização francesa Aéro décarbo, especialista no assunto.

“Podemos atingir essa meta com certeza. Não temos quase dúvidas disso. Todas as pistas tecnológicas que já identificamos para podermos atingir estão sendo exploradas, portanto não temos preocupações desse ponto de vista”, garante Patrick Daher, comissário do Paris Air Show 2023 e presidente da fabricante Daher, também à France Inter. “Mas temos um problema de custos para chegar lá. Vai custar muito caro, entretanto será o preço que deveremos pagar para chegar à descarbonização da aviação”, reconhece.

Corrida pela descarbonização custará bilhões

Países como França, Alemanha e Estados Unidos apostam alto na nova geração de aviões – o presidente francês, Emmanuel Macron, acaba de anunciar um pacote de € 2,5 bilhões até 2030 para pesquisa e desenvolvimento de uma aviação com menor impacto ambiental. A indústria deve investir valores de duas a três vezes superiores.

O Salão do Bourget apresenta nesta edição um pavilhão inteiro, de 1000 metros quadrados, dedicados ao tema. Os novos querosenes à base de biomassa já são uma realidade em expansão, mas com uso ainda restrito a curtas distâncias e, ainda assim, limitado: na Europa, apenas 1% do combustível embarcado é de baixa emissão, bastante distante da meta imposta pela União Europeia em 2050, de 70% de biocombustível.

Além disso, o conceito de ecopilotagem também se expande, com mudanças técnicas e operacionais para reduzir o consumo de combustível durante o voo – como fazer uma parte da viagem com apenas um motor, otimizar o trajeto, a decolagem e a aterrissagem.

Emmanuel Macron e CEO da Airbus, Guillaume Faury, observam protótipo Airbus Zero, um conceito híbrido a hidrogênio apresentado no Paris Air Show 2023. (19 de junho de 2023)
Emmanuel Macron e CEO da Airbus, Guillaume Faury, observam protótipo Airbus Zero, um conceito híbrido a hidrogênio apresentado no Paris Air Show 2023. (19 de junho de 2023) AP – Michel Euler

Os aviões elétricos ou híbridos devem começar a circular na próxima década, mas a grande aposta a longo prazo serão as aeronaves movidos a hidrogênio verde, previstos para 2050.

“Quando você vem ao Salão do Bourget, você pode ver tudo que já foi feito e ainda será para conseguirmos chegar lá. Você verá aviões elétricos, aviões híbridos, a pesquisa e inovação que estão em curso. Por enquanto, esses aviões são protótipos”, indica Daher. “Ainda precisaremos de dois, três ou talvez quatro anos para chegarmos numa nova fase de demonstrações. Depois, então, teremos uma substituição progressiva da atual frota”, antecipa.

Restrição de voos poderá ser necessária

Nesse contexto, uma parte do financiamento da colossal transição tecnológica em curso virá do bolso dos passageiros: apesar da alta da demanda, os preços dos bilhetes devem permanecer elevados. As passagens de baixíssimo custo, como pagar €10 para viajar de Paris a Londres, sumiram do radar.

Outras pistas estudadas pelas companhias e governos para pagar a conta da renovação das frotas são a criação de novos impostos, como o que poderia ser exigido da primeira classe e da classe executiva.

Mesmo assim, alguns especialistas e organizações ambientalistas advertem que os avanços podem não ser suficientes para o setor atingir as metas de descarbonização. Se, por enquanto, os países ainda recusam a ideia de impor restrições aos números de voos nos céus, essa pode vir a ser a única alternativa para a aviação responder à altura da emergência climática.

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