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Ao PB Agora ex-catadora revela como deixou o lixão para vencer prêmio Led de Educação e se tornar professora efetiva da UFPB

Tudo parece um conto de fadas. Uma mágica, que com um simples toque da vara de condão se materializa e desaparece na imaginação. Só que foi real. A vida da professora paraibana da cidade de Queimadas, no Agreste, Patrícia Silva Rosas de Araújo bem que poderia ser comparada a uma epopeia. Um relato encantador. Apaixonada pelo saber, ela mostrou como a perseverança, a fé, a luta e a educação podem mover montanhas, transformar realidades, promover uma reviravolta na vida e abrir novas perspectivas e horizontes antes inimagináveis.

A jornada fascinante começou em um cenário totalmente adverso ao mundo dos sonhadores. Viver no lixão, em meio a pobreza extrema, dificuldades e privações, foi a primeira “guerra” que ela enfrentou. A montanha de lixo que se formava na frente, nas manhãs obscuras, a nuvem de moscas atrapalhando a visão, inevitavelmente tornaram nebulosos o futuro da menina de família humilde de Campina Grande.

Vencedora do Prêmio Led de Educação; finalista duas vezes do Prêmio Jabuti, Patrícia Rosas realizou o maior sonho de sua vida este ano, que foi se tornar professora efetiva da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). A docente conversou com o PB Agora e retratou parte de sua história de vida; das lutas que travou, os desafios que enfrentou, até ingressar em uma das mais importantes instituições de ensino superior do Estado.

Patrícia Rosas, nasceu em Campina Grande, na Paraíba, em 15 de março de 1983, a terceira de uma prole de dez filhos, provenientes de uma realidade socioeconômica desfavorecida.

Antes de tomar posse na UFPB, Patrícia Rosas teve uma longa trajetória de luta, batalha pessoal e desafios. Os dias na sua infância e adolescência foram árduos. Difíceis. Marcados por obstáculos. Longe dos muros que separam a universidade da qual se tornou professora efetiva, a menina sonhadora passou horas de seu tempo no chamado lixão do Serrotão, que por muito tempo funcionou no bairro do Mutirão.

Os dias cinzentos do lixão ganhavam cores com os restos de giz que a menina Patrícia Rosas conseguia para brincar de “escolinha” com as crianças que catavam lixo com ela. Um futuro parecia se desenhar na mente e no coração da professora.

A rotina no lixão foi dura. Sol forte, calor, uma lona preta, a fumaça, os ventos soprando contrários, tudo conspirava contra. Mesmo assim, Patrícia não perdia a esperança de dar uma reviravolta na sua vida.

No bairro do Mutirão, em Campina Grande, um barraco se tornou a casa da paraibana que morava com os seus pais e mais 9 irmãos.

“Meus pais, Ivan Rosas, pedreiro, e Maria do Carmo Silva, empregada doméstica, viram-se obrigados a renunciar à educação formal, escolhendo o trabalho precoce como meio de subsistência” relatou ao PB Agora.

Ela conta que cresceu em um ambiente carente de letramento, onde os livros eram raros e a leitura não tinha espaço na rotina familiar. A escola tornou-se meu primeiro contato com a leitura e os livros. A batalha diária contra as adversidades desde a infância fortaleceu a sua determinação em transpor as barreiras impostas pela carência de oportunidades na educação.

Até os 9 anos de idade, ela catava especialmente ossos. O material era vendido em uma fábrica e, mais tarde, se transformaria em sabão. A falta de estrutura do bairro que morava, também aumentou os desafios da futura professora.

“Minha infância transcorreu em um bairro desprovido de saneamento básico e eletricidade, enfrentando as dificuldades de uma infraestrutura precária. As ruas poeirentas testemunharam as lutas diárias da nossa comunidade, enquanto a falta de serviços básicos nos impunha desafios constantes.

A memória dos tempos do lixão parece aflorar quando ela recorda das dificuldades que enfrentou até se tornar professora. Viver no maior lixão a céu aberto da cidade foi uma experiência dolorida que ela não esquece.

“Na década de 90, por falta de moradia, vivi no maior lixão a céu aberto de Campina Grande, sob a lona preta, o sol escaldante e o mau cheiro. Durante anos, subsistir cantando materiais recicláveis para vender e comprar comida. Apesar das adversidades, a escola se tornou meu refúgio, um local de segurança e de vislumbre de um futuro diferente” relatou.

O sonho de infância e o cheiro da professora

O sonho de infância de Patrícia floresceu na Escola Municipal Luiz Cambeba, onde ela foi cativada pela docência através da inspiração da primeira professora, Rosa. Ao voltar no tempo, as memórias parecem fluir muito forte. Ela conta que muitas vezes chegava na sala de aula com o cheiro impregnado na roupa. Era acolhida com um abraço, o sorriso e o cheiro de sua primeira professora.

“Originária do lixão, aquele odor impregnado em mim contrastava com o perfume da professora ao me receber na escola. Foi ali que a certeza tomou forma: “Eu quero ser professora para ter esse cheiro de perfume”. E assim, desde os primeiros anos da infância, cultivei o sonho de seguir a carreira docente.

Mesmo exausta após o dia difícil no lixão, Patrícia não abandonou a escola. A sala de aula foi o lugar onde ela encontrou o que hoje chama de magia.

Ela entrou na escola com sete anos. E não saiu mais. Devido às dificuldades financeiras de sua família, estudava em um turno e vivia do lixo no outro. Esforçada, nunca repetiu de ano. Além da busca pelo conhecimento e saber, Patrícia também frequentava a escola atraída pela merenda, que em algumas ocasiões, se tornou a principal refeição do dia.

“A escola pública pra mim é uma coisa que tem muito valor. Na escola pública era onde eu tinha merenda. Eu tinha proteção, estava afastada dos perigos. Onde eu aprendi”, recordou.

A rotina no lixão, conforme enfatizou a educadora, nunca atrapalhou os estudos. Com as moedas que conseguia com o lixo, ela comprava o lanche para comer na hora do “recreio”. Dentro do lixão, sofreu na pele os efeitos do lugar insalubre. Várias vezes sofreu pequenos acidentes com cortes nos pés e nas mãos. Sangue jorrado que inspirava a menina a perseguir seus sonhos.

“Realmente foram dias difíceis. Muitas vezes tive pés e mãos cortados dentro do lixão, mas nunca me impediu de ir pra escola. O lixo pra mim era a sobrevivência. Eu estudava de manhã, catava lixo de tarde. Estar no lixo era saber que eu ia conseguir comer em casa. Eram duas forças que me moviam muito”, reforçou.

Patrícia e a família só deixaram o lixão alguns anos depois, quando passaram a morar em uma invasão. No local, a casa foi construída com barro e pedaços de madeira.

O caminho de Patrícia na educação foi solitário. Os irmãos dela não puderam trilhar a mesma jornada. Eles precisaram começar a trabalhar bem cedo para contribuir com as despesas da família.

“A gente cresce com a ideia da mãe que fala ‘estude pra ser alguém na vida’. Eu acreditava que pra ser alguém, a gente tinha que passar pela escola. Esse alguém não como pessoa, mas de mudança de status social. O que vai permitir que eu saia do lixo é o caminho da escola. Isso eu sempre tive muito claro”, lembrou sobre o que pensava.

Durante a vida inteira Patrícia sempre precisou se dividir entre estudos e trabalhos. E foram muitas funções desempenhadas ao longo da busca pelo sustento.

‘Trabalhei muitas vezes em troca de comida’, lembra.

Ao longo dos anos, ela acumulou experiências em diversos trabalhos, desde babá e doméstica, em busca de sustento para si e sua família. A falta de tempo não impediu sua busca pelo conhecimento, e as madrugadas se tornaram preciosas horas para a aprendizagem, muitas vezes sacrificando o sono.

Como os empregos ocupavam o dia inteiro, as madrugadas se tornaram o único terreno possível para a aprendizagem. Muitas vezes eram apenas três horas de sono por noite.

Apesar da origem humilde e das adversidades, concluiu o ensino fundamental, grande parte dele vivido dentro do lixão ou morando em casas de parentes.

A posse como nova professora

Três décadas depois, agora com 40 anos, Patrícia Rosas tomou posse como professora efetiva do Departamento de Educação da Universidade Federal da Paraíba. A entrada na Instituição foi triunfal. A realização de um sonho. A nomeação foi assinada pelo reitor da Instituição, o professor Valdiney Gouveia.

Para conquistar a vaga, Patrícia teve que estudar muito. A preparação exigiu mais esforço para enfrentar uma concorrência gigantesca. A recompensa veio com a aprovação.

“Quando você estuda muito, você começa a acreditar que aquilo é seu também, que a universidade também é o seu lugar. Eu achava um lugar muito distante pra mim. Faz uns dois anos que comecei a acreditar e comecei a me preparar. Nós podemos estar onde queremos estar”, destacou Patrícia.

Ser professora da universidade parecia um sonho muito distante e sempre foi a meta de vida de Patrícia. Mas foi na educação básica, que ela teve muitos anos de dedicação.

“Em 2024, um marco significativo surge em sua trajetória educacional após 21 anos de contribuição na educação básica: minha posse como professora efetiva na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), no Departamento de Metodologia de Educação (DME). Na universidade, passarei a contribuir com a formação de professores que irão atuar na educação básica. Será uma oportunidade rica de aprendizado e troca de experiência” projetou.

Uma das primeiras vitórias de Patrícia foi ingressar na Universidade e posteriormente conquistar o diploma de ensino superior. Depois da graduação, ainda vieram mestrado, doutorado e pós-doutorado.

Ela cursou o Magistério nos anos 2000, e, em seguida, o Curso de Letras na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Continuou a sua jornada acadêmica com mestrado na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e, posteriormente, doutorado na Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

Após concluir o doutorado em 2017, decidiu dedicar-se exclusivamente à educação básica, onde enfrentou vários desafios.

“Na sala de aula, enfrentei desafios nas turmas finais do ensino fundamental na zona rural de uma cidade do interior da Paraíba. Decidi romper com métodos tradicionais, dando origem à Revista Tertúlia e ao Projeto de Leitura Desengaveta Meu Texto “, conta.

Ao longo de sete anos, esses projetos impactaram cerca de 4 mil estudantes em seis escolas públicas da Paraíba, recebendo prêmios e reconhecimentos nacionais. Transformaram-se no Instituto de Leitura e Escrita Desengavetar, uma entidade sem fins lucrativos dedicada a crianças e jovens beneficiários, promovendo a leitura e a escrita como instrumentos de transformação.

Inspiração para muitos jovens oriundos de situações sócio financeiras desfavoráveis, a ex -catadora de lixo, destacou a força que a fez vencer todos obstáculos e não desistir. Primeiro ela credita a fé em Deus que a sustentou em todos os momentos, e depois a inspiração em pessoas que também lutaram muito e conseguiram conquistar os próprios sonhos.

A professora reforça a importância da educação pública para o funcionamento da sociedade.

“As pessoas falam em tecnologia, desenvolvimento. Nada disso vai acontecer se não passar pelo banco de uma escola. A educação é primordial para qualquer mudança. Eu acredito muito na escola pública, na educação pública. Dessa escola que vão surgir as pessoas que vão mover o país. Eu sou uma história de superação da escola pública”, concluiu.

A coroação com o Prêmio Led

Em sua trajetória, Patrícia Rosas se tornou uma colecionadora de sonhos. Investiu alto para ver alguns realizados. E para isso, recorreu a educação como instrumento que transforma, ilumina mentes e corações, que abre horizontes e ajuda os estudantes a transpor para o mágico universo da leitura seus sonhos, anseios, decepções e conquistas.

A coroação dessa jornada veio com a conquista do Prêmio Led de Educação em 2022. A iniciativa foi resultado de um projeto ousado, inovador e transformador que nasceu a partir do incentivo da Editora da Universidade Estadual da Paraíba (EDUEPB) e se fortaleceu com a parceria de um projeto de extensão do Centro de Ciências Jurídicas (CCJ) da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB).

Para concorrer ao edital da Fundação Roberto Marinho, o Instituto Desengavetar precisava de uma atividade de magistério, o que foi possível graças à parceria com o projeto de extensão “Direitos Fundamentais da Criança e do Adolescente no Ensino Básico”, realizado no CCJ.

A iniciativa, coordenada pelo professor Luciano Nascimento, se transformou no projeto denominado “Programa de Lições de Direitos Fundamentais em Ensino Básico”, que funciona com a participação de cinco estudantes de Direito.

O projeto “Desengaveta Meu Texto”, criado pela professora Patrícia Rosas Araújo, venceu o Prêmio do Movimento LED – Luz na Educação, na categoria “Educação Básica”. A iniciativa da TV Globo com a Fundação Roberto Marinho tem como objetivo iluminar práticas inovadoras na educação brasileira e reconhecer quem está revolucionando o setor.

O projeto vencedor incentiva a produção textual de alunos da Rede Municipal de Campina Grande. Os textos são publicados na Revista Tertúlia, que está em sua 5ª edição, sempre publicada pela EDUEPB. A conquista foi comemorada pelos idealizadores da iniciativa que viram no projeto uma oportunidade de tornar os estudantes protagonistas de uma ideia iluminada e inspiradora.

O brilho no olhar da professora Patrícia Rosas, fala por ela. Um brilho que aumenta ainda mais quando o assunto é o projeto Desengaveta Meu Texto.

“Não se trata apenas de desengavetar textos. Também são desengavetados sonhos e oportunidades” observou.

Criada em 2017, em Campina Grande, a iniciativa tem inserido a leitura e a escrita na vida de crianças e jovens de escolas públicas, com idades entre 10 e 17 anos, por meio de diferentes iniciativas, de oficinas de escrita a clubes de leitura.

Ela enfatizou que “Desengaveta Meu Texto” é um projeto de fomento à leitura e a escrita junto a jovens e adolescentes de escolas públicas, sendo que em 2019, se vinculou à Rede Estadual e migrou para Campina Grande, mantendo a essência de atingir estudantes periféricos de várias escolas, até se transformar em um instituto. A ideia inicial foi transformar frustrações pessoais dos estudantes em possibilidades de futuro para a educação.

O projeto desenvolve e aplica práticas de letramento inovadoras e colaborativas, dentro da rotina escolar, em sala de aula e fora dela. A partir dele, alunos e professores produzem textos através de diversas produções editoriais impressas e digitais.

O sonho do Jabuti

Antes de se tornar conhecida nacionalmente pela conquista do Prêmio Led, Patrícia Rosas teve outro sonho. Por duas edições ela foi finalista do Prêmio Jabuti, considerado o maior prêmio literário nacional. Em 2018 a professora foi finalista com a Revista Tertúlia.

Em 2020, a professora chegou à final do prêmio com o projeto de leitura e escrita “Desengaveta Meu Texto”. Na época, Patrícia lecionava no Departamento de Letras da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) supervisora no PIBID Letras UEPB/Escola CAIC.

O projeto finalista foi desenvolvido em cinco escolas públicas de Campina Grande. O sonhado Jabuti não veio, mas ela não desistiu de continuar sonhando e viu as luzes da educação brilharem fortes na conquista do Prêmio Led.

“O que buscamos agora é fortalecer as políticas públicas de leitura junto às escolas. A indicação ao Prêmio Jabuti pode trazer de certa forma, visibilidade para as escolas e bibliotecas escolares da periferia da nossa rede, principalmente para os anos finais do Ensino Fundamental” comentou.

Por causa da pandemia, em 2020 o projeto inovou e apostou no ‘Delivery literário’, com entrega de kit de leitura na casa do aluno e do professor. A Editora Universitária da UEPB foi a grande parceira do projeto e fez a doação dos livros de literatura.

A Tertúlia teve sua 1ª edição publicada em agosto de 2017. Exitoso, o projeto foi reconhecido pelo Jabuti por meio de seu segundo exemplar, que tratava sobre bullying.

Da adversidade à transformação

O poder da educação na jornada de uma professora. Agora como docente da UFPB, Patrícia Rosa procura usar a sua história como inspiração para outros jovens sonhadores. Palavras como resiliência, valorização da educação e comprometimento com a docência, viram espécie de “mantra” na vida da professora.

“Resiliência diante das adversidades. Enfrentei as condições difíceis de um bairro carente, vivendo no maior lixão a céu aberto da cidade de Campina Grande. Em vez de me deixar vencer por essas adversidades, canalizei minha resiliência para superar os obstáculos, mantendo acesa a chama do aprendizado e da esperança” afirmou.

Sobre a valorização da educação, ela ressaltou que mesmo com a falta de letramento em sua família e as limitações da infraestrutura precária, reconheceu na educação um poder transformador.
“Minha jornada destaca como a busca pelo conhecimento pode quebrar barreiras e abrir portas para um futuro mais promissor” observou,

Ela garante que a escolha de seguir a carreira docente reflete o seu profundo compromisso com a educação como meio de impactar vidas de maneira positiva.

“Ao completar o doutorado e conquistar uma posição como professora efetiva na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), desejo mostrar que a excelência acadêmica não é reservada a poucos. O caminho da educação é acessível a todos, independentemente dos desafios que possam surgir “, enfatizou.

A trajetória de Patrícia Rosas tendo como alicerce a busca pelo conhecimento, reflete a força transformadora e revolucionária da educação que quebra correntes, liberta das amarras de um sistema opressor e desbrava novos horizontes.

Severino Lopes
PB Agora

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