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Impasse sobre reforma da Previdência na França deve durar até análise do Conselho Constitucional


Operação com a participação de 80 policiais da tropa de choque encerrou nesta sexta-feira (31) os dez dias de ocupação de estudantes contrários à reforma da Previdência na Escola de Ciências Humanas da Universidade de Bordeaux.
AFP – THIBAUD MORITZ

O governo francês manobra para virar rapidamente a página da reforma da Previdência, mas nenhum dos lados vai mudar de posição até 14 de abril, data em que o Conselho Constitucional dará seu parecer sobre quatro análises de constitucionalidade das medidas, uma delas solicitada pela primeira-ministra e as outras por partidos de oposição.

Este organismo francês é semelhante ao Supremo Tribunal Federal brasileiro quando se trata de analisar a constitucionalidade de uma decisão dos poderes Legislativo e Executivo. Mas é bem diferente em relação ao perfil dos juízes, que podem ser ex-presidentes da República, ex-chefes de governo, advogados e ex-assessores parlamentares.

Na composição atual, o presidente é o ex-primeiro-ministro socialista Laurent Fabius, que também foi ministro de Relações Exteriores. As demais cadeiras são ocupadas pelo ex-primeiro-ministro de direita Alain Juppé, braço direito do ex-presidente Jacques Chirac, uma ex-senadora, três advogados, dois oficiais da alta administração e apenas uma juíza com carreira na magistratura.

A oposição apresentou três recursos apontando uso abusivo de um artigo constitucional (47.1) que encurtou o tempo de tramitação da reforma nas duas câmaras do Parlamento. Não é o conteúdo das medidas que é questionado – questão de fundo –, mas a forma. Praticamente, não há chances de os juízes considerarem o aumento da idade da aposentadoria para 64 anos inconstitucional. O que poderia ocorrer é uma reprovação ao modo de tramitação escolhido pelo governo. Porém, historicamente isto nunca aconteceu. Ao mesmo tempo, o que é raríssimo, antes de concluir seu parecer definitivo, o relator dos recursos vai receber deputados opositores à reforma em 4 de abril para ouvir os argumentos dos parlamentares.

O que os juízes do Conselho Constitucional podem eventualmente censurar são medidas previstas na reforma sem relação nenhuma com uma lei de financiamento da Seguridade Social, que é como o projeto foi apresentado ao Parlamento. Nesse caso, eles poderiam invalidar a obrigatoriedade de empresas publicarem um índice com o número de empregados com mais de 55 anos ou o “contrato de trabalho sênior”. Este contrato proposto na última hora pelo Senado, quando as manifestações já reuniam milhares de franceses nas ruas, é reservado para pessoas com mais de 60 anos, e seria automaticamente encerrado quando o trabalhador atingir a idade para se aposentar com a pensão integral.

Nova liderança feminista

A margem de manobra dos sindicatos, que é principalmente fortalecer as greves e parar o país, parece reduzida. Mas é cedo para falar em derrota. O governo e o presidente estão muito desgastados. Macron está isolado e sem maioria no Parlamento para aprovar futuros projetos ainda no primeiro ano de seu segundo mandato.

Em meio a essa crise social, a CGT, que é a central sindical mais à esquerda na luta pela defesa dos direitos trabalhistas, elegeu nesta sexta-feira (31) uma nova secretária-geral, Sophie Binet. Ela tem 41 anos, é uma feminista e ecologista combativa. Binet esteve na liderança, enquanto estudante, do movimento que paralisou a França em 2006, obrigando o governo da época a enterrar uma reforma trabalhista impopular, o contrato do primeiro emprego (CPE).

No discurso que fez hoje, a nova líder da CGT se comprometeu a combater o sexismo e as desigualdades salariais de gênero no mercado de trabalho. Um dos elementos da batalha da oposição contra o governo é que a reforma aprovada é profundamente injusta com as mulheres. Binet pode ser mais uma pedra no sapato da premiê Élisabeth Borne.

Uma pesquisa (Elabe) mostrou na quarta-feira (29) que 70% dos franceses querem que o governo suspenda a reforma para negociar com os sindicatos e organizações políticas uma saída a esse impasse. E 62% dos entrevistados – um salto de 9 pontos desde 10 de março – apontam o presidente Emmanuel Macron e o governo como os principais responsáveis pelo conflito social. A rejeição à reforma só aumenta.

Macron estará na China quando franceses voltarão às ruas

O 11° dia de mobilização nacional está marcado para 6 abril. Nesta data, Macron, que atrai todas as críticas, estará em uma importante visita diplomática à China.

Enquanto os sindicatos se preparam para as próximas ações, a greve dos controladores aéreos ainda afeta o aeroporto de Orly, na região parisiense. Em diversos setores, como nas refinarias de petróleo, escolas e transportes, a atividade é por piquetes de sindicalistas. Muitos postos continuam sem gasolina, por exemplo.

Na noite de quinta-feira (30), a polícia dispersou 4,5 mil manifestantes que participavam de um protesto não-autorizado em frente à prefeitura de Paris. Sete pessoas foram detidas. Nesta sexta, uma operação policial encerrou, sem incidentes, uma ocupação de 200 estudantes mobilizados contra a reforma da Previdência na Universidade de Bordeaux.

Ontem, a Espanha aprovou uma reforma previdenciária em uma atmosfera social menos conflituosa. Não houve protestos nas ruas porque as medidas foram aprovadas pelos principais sindicatos de trabalhadores do país. Quem não gostou foram os empresários. A reforma espanhola, que a oposição de direita chamou de “remendo”, contempla um aumento de contribuição por parte das empresas, para garantir maior equidade intergeracional.

Uma das principais críticas dos sindicalistas franceses é que a reforma de Macron só contém exigências para os trabalhadores, e praticamente dispensa as empresas de qualquer esforço contributivo.

Na França, para obter a pensão integral, os trabalhadores terão de contribuir durante 43 anos, já para quem vai se aposentar em 2030. Na Espanha, o tempo mínimo, em 2027, por exemplo, segue sendo de 38,5 anos de contribuições.

O governo francês fez uma reforma para diminuir os custos, enquanto a Espanha aposta no aumento de arrecadação, fazendo quem ganha mais pagar mais.

Não adianta analisar só o parâmetro da idade para compreender a revolta dos franceses; é preciso associar o tempo de contribuição exigido para a pensão integral. Na França, mesmo aumentando a idade mínima de 62 para 64 anos, como faltarão trimestres de contribuição para a maioria dos assalariados, o desconto será punitivo. Especialistas apontam para um empobrecimento generalizado dos aposentados franceses. Esse obstáculo só desaparece aos 67 anos, mesma idade do que na Espanha.

Por: Adriana Moysés

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