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De Biden a Maduro: Lula se reuniu com 58 chefes de Estado, mas ainda patina na política externa

Na Presidência, Lula privilegiou líderes europeus e sul-americanos, mesma estratégia usada por seu antecessor direto, Jair Bolsonaro

Hugo Barreto/Metrópoles

Em cinco meses de governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já teve 58 encontros, reuniões bilaterais ou conversas telefônicas com chefes de Estado estrangeiros. O número supera em mais de três vezes as agendas com líderes do exterior do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), além dos índices do próprio petista em mandatos anteriores.

Apesar de claramente ser muito mais presente e interessado no tema do que seu antecessor, o atual presidente brasileiro patina na política externa. Quando o assunto é aproximação comercial e até pauta ambiental, ele tem conseguido colher bons frutos, como acordos firmados com chineses e sinalização de recursos para o Fundo Amazônia por parte de Estados Unidos e Reino Unido. Já quando entram em campo questões ideológicas, Lula acaba tendo dificuldades.

Exemplo disso ocorreu na semana passada, ao receber o venezuelano Nicolás Maduro durante encontro de presidentes da América do Sul. A fala de Lula, defendendo Maduro e dizendo que a oposição internacional a ele trata-se de “narrativas”, repercutiu muito mal, inclusive entre colegas de espectros ideológicos diferentes. Críticas imediatas partiram do direitista Luis Alberto Lacalle Pou, do Uruguai, e do esquerdista Gabriel Boric, do Chile.

E Lula encerrou o evento em Brasília sem voltar atrás nas declarações e usando a mesma expressão “narrativa” para se referir ao ex-presidente venezuelano Hugo Chávez. O contexto acabou prejudicando a ideia do petista em aproximar os presidentes da América do Sul e se projetar como liderança da região.

Anteriormente, o atual chefe do Planalto também teve deslizes em relação à guerra entre Rússia e Ucrânia. Ele não se posicionou claramente contra a invasão dos russos ao território ucraniano. Chegou, em alguns momentos, a defender as condutas de Vladimir Putin. A postura recebeu críticas dentro e fora do Brasil.

Por fim, Lula tentou adotar uma conduta para mediar o conflito. Mês passado, durante a cúpula do G-7 no Japão, houve tentativa de articular uma conversa entre o presidente brasileiro e Volodymyr Zelensky. No entanto, devido a desencontros, a reunião não ocorreu.

O posicionamento do petista em relação aos Estados Unidos, e o pragmatismo na política externa proposta pelo Itamaraty, também foram alvo de críticas.

Equívocos

Pablo Uebel, professor de relações internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) entende que apesar de “boas intenções”, a política externa de Lula tem apresentado problemas em dois eixos principais: aproximação com o contexto contemporâneo e certa “falta de filtro” nas declarações.

“A política externa do presidente Lula tem boas intenções. Ou seja, retomar o papel do Brasil no sistema internacional e voltar a ser uma potência regional que agrega, e não exclui. No entanto, a meu ver, tem dois problemas: ele tem uma visão de 20 anos atrás, que é de outro mundo. Há uma falta de simetria com o contexto contemporâneo, e certa falta de filtro. Hoje é preciso comedimento”, pontua.

O professor Luciano da Rosa Muñoz, da Universidade de Brasília (UnB) e do Centro Universitário UniCEUB, detalha que o presidente Lula tem boa relação com os principais líderes internacionais, mas destaca que os posicionamentos sobre a Guerra da Ucrânia colocam o Brasil em uma posição equivocada.

“Eu destacaria as boas relações com o presidente argentino [Alberto Fernandes], as boas relações com o presidente da China [Xi Jinping], as relações ambíguas com o presidente Biden [dos EUA], a depender do tema destacado, e relações ruins com os presidentes Volodymyr Zelensky [da Ucrânia] e Putin [da Rússia]”, afirmou Muñoz.

“No geral o presidente Lula tem tido uma boa atuação nesses encontros de cúpula, salvo esses seus deslizes e contradições nas declarações a respeito da Guerra da Ucrânia, que tornam a percepção internacional, especialmente no Ocidente, da posição do Brasil, um pouco equivocada”, acrescentou o professor.

Para Muñoz, o presidente Lula tem reconhecimento internacional por seu trabalho junto ao PT, diferentemente de Bolsonaro, que não era conhecido no exterior.

“O presidente Lula volta agora pro governo muito melhor do que o presidente Bolsonaro assumindo o seu primeiro mandato. Bolsonaro não era conhecido fora do Brasil, então era uma pessoa desconhecida, outro ponto que separa os dois, isso a gente percebeu muito quando o presidente Bolsonaro compareceu a reuniões de cúpula, ele não tinha um traquejo para circular naqueles ambientes”, afirmou Muñoz.

Luciano da Rosa Muñoz considera que as declarações do presidente Lula em relação ao regime da Venezuela são infelizes, uma vez que o regime ditatorial do país é reconhecido internacionalmente.

“Em diplomacia todas as palavras importam. Então quando os demais líderes percebem contradições no discurso, isso gera um mal-estar. Essa semana você teve então a cúpula da América do Sul e o presidente Maduro sendo recebido um dia antes dos demais. Indicando uma prioridade em relação à Venezuela”, acrescentou Muñoz.

Prejuízos

Para Márcio Coimbra, coordenador da pós-graduação em relações institucionais e governamentais do Mackenzie Brasília, as relações entre Lula e Maduro poderiam prejudicar o Brasil no cenário internacional.

“Venezuela é considerada um Estado pária e um Estado criminoso, e inclusive com conexões com o narcotráfico. Tanto para Europa quanto para Estados Unidos, o Maduro é, sim, um criminoso que está comandando o país de uma forma autocrática no regime autoritário. Então, na verdade, você manter relações com esses países coloca o Brasil em um outro lado do tabuleiro”, explica Coimbra.

Agendas de Lula e Bolsonaro

A maior parte das conversas de Lula até agora ocorreu com representantes de países da Europa. Foram 18 contatos com chefes de Estado ou de governo europeus, de nove países, considerando o papa Francisco como a autoridade mais alta do Vaticano, um enclave dentro da Itália.

Em segundo lugar, ocorreram 16 reuniões com presidentes da América do Sul. Oito da Ásia e Oceania e cinco do continente africano.

O levantamento realizado pelo Metrópoles, com base na agenda presidencial, considera encontros bilaterais do mandatário brasileiro com presidentes, reis e primeiros-ministros de outras nações. O período analisado é de 1º de janeiro, quando o petista assumiu o governo pela terceira vez, até 31 de maio, dia seguinte à cúpula de presidentes da América do Sul, realizada em Brasília a convite de Lula.

A reportagem mapeou o mesmo período da gestão do antecessor direto, Bolsonaro, que assumiu a chefia do Executivo federal em 1º de janeiro de 2019. Nos primeiros cinco meses de governo, Jair Bolsonaro esteve reunido com chefes de governo em 17 oportunidades. Grande parte dos encontros ocorreu durante o Fórum Econômico Mundial, realizado em Davos, na Suíça, quando o então presidente se encontrou com nove autoridades máximas de governo.

No período, Bolsonaro priorizou agendas com presidentes e primeiros-ministros da Europa. Foram oito compromissos, incluindo reuniões com chefes de governo de Hungria, Portugal, Suíça, Itália, Ucrânia e Polônia.

Na sequência aparecem seis reuniões com autoridades da América (Argentina, Colômbia, Venezuela, Paraguai, EUA e Chile), dois da Ásia (Japão e Israel) e um da África (África do Sul).

Agenda de viagens movimentada

Antes de completar seis meses de governo, Lula fez viagens oficiais a oito países estrangeiros e visitou três continentes. Além dos já realizados, o mandatário brasileiro adiantou que pretende cumprir mais quatro compromissos no estrangeiro até o fim do ano, e declarou o desejo de visitar “toda a América do Sul”.

Em coletiva no Itamaraty nesta semana, Lula adiantou que pretende participar de um encontro econômico na França, ainda em junho, e da cúpula dos Brics na África do Sul, marcada para agosto.

Ele citou uma reunião da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), em São Tomé e Príncipe, e uma visita à Índia em setembro, para encontro dos Brics.

Realinhamento de política externa

Lula chegou ao terceiro mandato com a proposta de “reconstruir pontes” quebradas pela aversão ao multilateralismo de Bolsonaro. Durante quatro anos de gestão, o político do PL virou as costas para a América Latina, desenhou um alinhamento quase automático ao então presidente dos Estados Unidos (EUA), Donald Trump, o que causou um desconforto com o sucessor dele e atual chefe da Casa Branca, Joe Biden.

Bolsonaro também se indispôs com líderes europeus, entre eles o presidente da França, Emmanuel Macron. Teceu críticas abertas e criou “incômodo diplomático” com o presidente da China, Xi Jinping.

Também costurou uma proximidade com líderes do Oriente Médio, como o príncipe da Arábia Saudita, Mohamed bin Salman e o rei do Bahrein, Hamad Bin Isa Al Khalifa. Além disso, encerrou as relações brasileiras com a Venezuela, sob o comando de Nicolás Maduro.

No primeiro dia de gestão, Lula se dedicou a reverter o cenário. Ele recebeu no Itamaraty 10 chefes de Estado que estavam em Brasília, para ocasião da posse. Somente em janeiro, foram 20 agendas com foco em política externa.

A atividade diplomática realizada pelo próprio presidente é chamada de diplomacia presidencial. O formato tem como propósito elevar a política externa ao mais alto nível de visibilidade e peso político. Ou seja, o mandatário emprega o próprio nível de autoridade para um objetivo específico de política externa.

Visitas oficiais

Recordista entre os ex-presidentes em termos de viagens ao exterior, o terceiro mandato do petista foi bem recebido por lideranças mundiais. Durante os cinco meses do terceiro mandato, o petista fez oito visitas oficiais a países estrangeiros.

Veja a lista:

  • Argentina (23 e 24 de janeiro)
  • Uruguai (25 de janeiro)
  • Estados Unidos (9 de fevereiro)
  • China (11 a 15 de abril)
  • Emirados Árabes Unidos (15 e 16 de abril)
  • Portugal (22 a 25 de abril)
  • Espanha (26 de abril)
  • Japão para cúpula do G7 (19 a 21 de maio)

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