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Mês das mulheres (no terror): finalista do Jabuti, escritora Irka Barrios se consolida no movimento insólito literário brasileiro

Com uma trajetória premiada, autora gaúcha prepara três novos livros e organiza nova coletânea; escritora evidencia as temáticas do corpo e da sexualidade das mulheres em suas obras, enxergando a arte como expressão e luta, em sintonia com os horrores dos tempos atuais

“Irka Barrios trabalha com a literatura fantástica de maneira incomparável,

revelando não só boas histórias, mas também as dramáticas e perturbadoras contradições das vidas de suas personagens. O oculto está mais do que palpável em seus contos. Leiam!”

(Morgana Kretzmann, escritora e roteirista gaúcha)

Se a escritora Irka Barrios (@irkabarrios) pudesse resumir suas personagens em uma frase, responderia que são sempre mulheres em estado de fuga. Abordando corpo e sexualidade como temas centrais de suas obras, a escritora se consolida na literatura latinoamericana escrita por mulheres que se segmentam nos estilos que bebem do insólito, do terror e do horror.

“Nós, mulheres, precisamos nos manter vigilantes. Todos os dias. Criar e nos manter vigilantes, criticar e nos manter vigilantes. A arte está aí como expressão e luta, em sintonia com os horrores de nossos tempos”, frisa Irka, que já venceu os Prêmios Brasil em Prosa (Amazon/Jornal O Globo, 2015) e Odisseia da Literatura Fantástica (2022) e foi finalista do Prêmio Jabuti em 2020 com seu romance de estreia, “Lauren” (2019, 228 pág.), publicado pela Caos & Letras.

Atualmente, Irka prepara mais dois romances e um livro de contos, todos em negociação com editoras. Também organiza a coletânea “In Corpa”, financiada coletivamente e com previsão de lançamento pela editora O Grifo para maio. A obra reúne sete grandes escritoras que lançaram provocações sobre o corpo por meio de contos, versos, fotos e performances. Também escreveram um manifesto em conjunto, texto que revela o tom da obra. O corpo é protagonista de narrativas plurais e insólitas. Um mosaico de fragmentos onde literatura, arte, experiência e gozo se juntam para formar uma única corpa, selvagem, afrontosa e descolonizada. A exposição visual e o canal do YouTube do projeto já podem ser acessados.

Atual doutoranda em Escrita Criativa pela UFRGS, Irka também é autora do livro de contos “Júpiter, Marte, Saturno” (104 pág.), lançado em 2022 pela editora Uboro Lopes, que conta com orelha assinada por Adriana Garcia, e quarta capa com textos de Morgana Kretzmann e mariam pessah. Os contos que não se encaixaram na proposta da obra irão compor um novo volume de contos, prontos para publicação. Seus dois novos romances também exploram a sexualidade da mulher.

“Em ‘Lauren’ trabalhei a sexualidade de uma adolescente, em “Soda e água suja” (título provisório), eu exploro as questões sexuais de uma mulher adulta. Em 2022, após muitas leituras teóricas para minha tese de doutorado, eu me inclinei com mais interesse para o universo das vampiras. É um tema que sempre me fascinou, admiro a sexualidade livre destes seres que não devem satisfação à sociedade humana, pois são mortas-vivas. Assim nasceu “Oblongo”, que deve sair antes de “Soda”, mas seria uma história que finaliza minhas investigações sobre a sexualidade da mulher”, revela a autora. “Daria para chamar de trilogia? Sim e não. Não porque são romances diferentes, com personagens e cenários diferentes. E sim porque o conflito está muito ligado a todas as questões que a mulher encara, tem a ver com preconceitos, perseguições, violência, culpa, vergonha, etc.”

Irka escreve desde os 17 anos. Partindo da leitura de “Verão no aquário”, da Lygia Fagundes Telles, sentiu necessidade de expressar pensamentos e sentimentos. Citando, em sua maior parte, escritores e escritoras latinoamericanas como principais referências literárias, os livros de Irka foram influenciados diretamente por “As coisas que perdemos no fogo”, de Mariana Enriquez, “Carrie, a estranha”, de Stephen King, “Manual da faxineira”, de Lucia Berlin, “A incrível e triste história de Cândida Erêndira e sua avó desalmada”, de Gabriel García Márquez, “Distância de resgate”, de Samantha Schweblin, “As virgens suicidas”, de Jeffrey Eugenides e “As meninas”, também da Lygia. Além dos autores já apontados, Irka também lista Silvina Ocampo, Julio Cortázar, Mario Vargas Llosa, Katherine Mansfield e Olga Tokarczuk.

Ela comenta sobre o que é ser uma escritora insólita no Brasil. “Como latinoamericanas, compartilhamos da dor e da violência, heranças da colonização (ou tomada) do continente”, analisa. “São as mulheres que sofrem as violências mais covardes, sabemos. No Brasil não é diferente. Apesar de nosso país se manter um pouco afastado de nossos vizinhos (por motivos geográficos, culturais e por questões de língua), observamos expressões interessantes do horror produzido por mulheres como Verena Cavalcante, Paula Febbe, Larissa Prado, Juliana Cunha, Sinara Foss, Juliane Vicente, Andréa Berriell e tantas outras. São textos que se comunicam com os temas abordados pelas hermanas dos países vizinhos”, observa.

A autora gaúcha também escreve para a Revista Ventanas, ministra oficinas literárias na GOG Ideias, atua no Coletivo Mulherio das Letras e é mediadora do Clube de Leitura Escuro Medo. Também já organizou as coletâneas “O Novo Horror”, “Vigílias” e “Tudo soma zero”.

O universo literário invertido e sobrenatural de Irka Barrios

O romance de estreia de Irka Barrios, Lauren (2019, 228 pág.), publicado pela Caos & Letras, acompanha uma garota de uma cidade interiorana que enfrenta os dilemas da adolescência, a descoberta da sexualidade, o despertar do senso crítico, o bullying na escola, o moralismo religioso e, ainda de quebra, precisa lidar com fenômenos sombrios e misteriosos que a rodeiam. Isso porque Bosque Novo, onde Lauren reside, é um município repleto de lendas que envolvem assassinato, bruxaria, satanismo e remetem ao enigmático casal fundador da cidade: Inês e Pedro. Enquanto é atormentada por forças estranhas e alucinações frequentes, a garota precisa amadurecer para se libertar das amarras não menos violentas de seu cotidiano.

Já na obra mais recente da escritora, a “Júpiter, Marte, Saturno” (104 pág.), lançada em 2022 pela editora Uboro Lopes, Irka apresenta 14 narrativas que transitam no contexto “do fantástico, do invertido, do maravilhoso, do sobrenatural”, como define a escritora mineira Adriane Garcia, que assina a orelha. O livro —que inclui o conto “O coelho branco” (leia na íntegra), vencedor do Prêmio Brasil em Prosa – Amazon, em 2015 — também conta com textos de Morgana Kretzmann e mariam pessah para a quarta capa.

“Júpiter, Marte, Saturno é um passaporte de viagem para um mundo expandido, um portal que só a imaginação pode abrir e, ao mesmo tempo, traz personagens reais, em situações fincadas na sociedade, cultura e política reconhecidas como nossas”, analisa Adriane. “Para escrever, a autora utiliza a arca do tesouro infinita que é a infância. É a imaginação infantil que nos capacita para criar sistemas, investir na fantasia, recusar o engessamento do mundo adulto e suas regras, trocar até mesmo um planeta de lugar”, aponta.

Para a autora, o romance foi mais desafiador para escrever porque desejava que a obra tivesse elementos do terror, que a história se passasse no Brasil atual e que tratasse de questões sexuais de uma adolescente. “Foi a minha terceira escrita de romance, e a que resultou num livro com condições de ser publicado”, revela. “Já os contos são de diversas épocas, eu tentei unir os que melhor conversavam. O romance, em minha criação, veio primeiro, o conto depois. Mas o conto, a forma com que ele se manifesta, é mais natural em mim.”

“Eu me desafio a escrever todos os dias. Nem sempre é possível. Gosto de dizer que meus romances vêm de personagens que me surgem e meus contos vêm de imagens”, afirma, considerando a si mesma como uma narradora de terceira pessoa. “Já fui mais ágil (narrei com pressa) e passei por uma tendência de enfeitar demais. Ultimamente ando buscando um texto mais limpo e uma narradora mais neutra (o que não é fácil).”

Confira um trecho do conto “A parte de dentro”, vencedor do Prêmio Odisseia da Literatura Fantástica 2022, categoria narrativa curta de horror:

“Melina secou a canela com leves toques do tecido atoalhado (acabara de sair do banho) e a examinou. A pele ao redor da ferida parecia mais esbranquiçada que o normal, as bordas meio frouxas, a cobertura frágil como uma renda. Melina tocou-a e, sim, meu deus, algo havia se rompido. Logo abaixo da renda tinha um vão e, lá no fundo, o osso da canela. Como é que ela nunca tinha percebido? Enfiou o dedo, pressionou um pouco, e sentiu a carne ao redor, fofa. Um tremor de repulsa afastou-a. Mas só por um instante, logo em seguida a curiosidade a venceu. Examinou o dedo e depois voltou toda a sua atenção para o buraco. Acendeu a lanterna do celular para enxergar melhor. Mais um susto, havia algo ali. Uma coisa escura, um pelo. Não, não era um pelo, mas a ponta de um barbante. Com a respiração acelerada e um leve tremor nas pernas, tomou coragem e o segurou. Forçou um pouquinho. Nada de dor. Então tomou coragem para puxá-lo. Devagar, sem muita resistência, o barbante saiu, trazendo, na outra extremidade, um objeto. Melina reconheceu a figurinha, pequena e colorida, como as que ela colava no diário. Examinou-a por um longo tempo. Um tempo que iniciava ali, naquele ano atípico, retornava década por década até chegar no dia que ela recebia o presente. Abria-o, era o diário. Então o tempo avançava mais uma vez, fazendo longas pausas em momentos decisivos de sua biografia, e morria ali, no sofá da sala, grudado à figurinha.”

Irka Barrios. Crédito: Óbliquo Imagens

Fonte: Assessoria de imprensa da escritora Irka Barrios

Jornalistas responsáveis: Karoline Lopes e Marcela Güther

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