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Haiti: “É como se as autoridades nos entregassem no açougue”, relata vítima de ação de gangue

Os violentos ataques de gangues armadas em bairros de Porto Príncipe, capital do Haiti, continuam forçando os moradores a abandonarem suas casas. Apenas no bairro de Carrefour-Feuilles, pelo menos 5 mil pessoas tiveram que fugir da ação de grupos criminosos. A violência destas facções já matou mais de 2,4 mil pessoas desde o início do ano, informou a ONU nesta sexta-feira (18).


Um homem durante uma manifestação que exigia a proteção das autoridades contra gangues violentas, em Porto Príncipe, Haiti, segunda-feira, 14 de agosto de 2023.
 AP – Odelyn Joseph

A situação segue sem trégua para os haitianos nos últimos dias. A escalada de tensão no norte de Porto Príncipe é observada também no bairro de Solino, no coração da capital.

Muitas pessoas que fugiram de Carrefour-Feuilles estão abrigadas em um ginásio da cidade, relata a. Entre os desabrigados há muitas mulheres idosas e crianças. Embora as autoridades forneçam alimentação e algum acesso à higiene pessoal, quase todos dormem no chão.

“A situação é muito difícil”, testemunha um jovem de Carrefour-Feuilles. “Os bandidos me empurraram para fora de casa. Tudo está totalmente paralisado. Peço às autoridades que coloquem esses bandidos fora e protejam a área. Os bandidos queimaram casas quando a população já vivia com dificuldade”, ele continua.

Uma outra moradora conta que ouviu integrantes de um grupo criminoso entrarem nas casas dos vizinhos, antes de estuprá-los e matá-los. “Depois eles saquearam as casas. E o que eles não podiam levar, eles queimavam”, ele descreve. “Imagine meu filho de 9 anos, que presenciou essas cenas! Ele ficará traumatizado pelo resto da vida. Até eu estou traumatizada. Estou pensando se devo procurar um psicólogo, porque sinto que estou ficando louca”, narra a mulher.

Armados com facões

Alguns habitantes de Carrefour-Feuilles optaram por buscarem abrigo para suas famílias e voltaram pessoalmente ao bairro para defenderem suas casas. “Não temos recursos, mas estamos criando estratégias como uma brigada de vigilância, armada com nossos facões e acompanhada por alguns policiais que moram na área. Não é suficiente, porque a polícia da área não tem muitos meios. Não há munição para combater as gangues, porque elas têm armas de calibres muito maiores”, compara um homem.

Abrigada no ginásio na cidade, uma jovem cercada por seus quatro filhos pequenos conta que bandidos armados invadiram sua casa e mataram sua irmã, porque ela se recusou a deixar o local. “Não me sinto bem, tenho asma, e faz calor muito calor aqui. Estou fora da minha casa desde domingo. As pessoas nos dão comida, mas é difícil. Ainda não consegui tomar banho e nem tive tempo de trocar de roupa”, ela conta.

Jerry Chandler, diretor da Proteção Civil, explica que as pessoas forçadas a deixarem suas casas estão espalhadas por uma dezena de locais: “Há muitas mulheres e crianças entre as vítimas, e continuamos a trabalhar com nossos parceiros para apoiá-las. E nesse sentido conseguimos prestar alguma assistência alimentar aos deslocados. Existem diversas ações em curso, para assegurar também o acesso à água potável”.

Chandler descreve ainda os esforços do Ministério da Saúde para atender os deslocados cuja situação é agravada por problemas de saúde. “Listamos pessoas com hipertensão ou com doenças crônicas. O Ministério deve organizar suas transferências para centros de saúde para que possam receber cuidados apropriadas”, explica o diretor.

“Só recuam quando a munição acaba”

Muitos cidadãos acusam o governo do país de não enviar os reforços necessários. “É como se as autoridades estivessem nos entregando no açougue. À noite você não consegue dormir, bandidos atacam pessoas, idosas, grávidas, crianças. Eles só recuam quando a munição começa a acabar. Está um caos”, explica mais um morador.

“O governo tem a obrigação de proteger a população e deve intervir para restaurar a ordem e a segurança. A polícia, no entanto, está mal equipada e não pode não realizar diversas operações simultâneas”, observa Jean Gédéon, do Centro de Análise e Pesquisa em Direitos Humanos.

A organização expressa sua preocupação também com ativistas de direitos humanos, que, assim como a população de Porto Príncipe, estão sitiados pelas gangues. “Estamos trabalhando em condições extremamente difíceis, por isso pedimos a cooperação internacional para finalmente fazer algo, para que a ordem seja restaurada na comunidade. É realmente a única maneira de resolver os problemas quando a polícia não tem os meios adequados para proteger a vida, para proteger a propriedade”, insiste Gédéon.

Marie-André Bélange, correspondente da RFI em Porto Príncipe

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