Câmara em Foco

Dia dos professores: heróis da resistência lecionam por dom e amor à profissão

Pesquisa aponta que oito a cada dez professores não escolheriam outra profissão se pudessem voltar ao passado

“Hora extra”. Cassiana Matos dá aulas de ensino religioso, tem jornada dupla e leva trabalho para casa. — Foto: Flávio Tavares / O Tempo

Salas lotadas, falta de reconhecimento, excesso de trabalho, cansaço, baixa remuneração, e, recentemente, aumento de violência nas escolas. Os desafios diários vividos dentro da sala de aula não são motivos de desistência para os “heróis do conhecimento”. Tanto que oito a cada dez professores não escolheriam outra profissão se pudessem voltar ao passado, segundo pesquisa realizada pelo Datafolha a pedido do Itaú Social, Fundação Lemann e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). No Dia dos Professores, celebrado neste domingo (15 de outubro), a reportagem de O TEMPO conversou com os docentes sobre as “mazelas” diárias vividas nas escolas de Minas.

O esforço e a dedicação de quem está diariamente com os alunos e alunas tem um objetivo: transmitir o conhecimento. Os dados apontam que 91%  dos docentes “concordam totalmente” que o que traz mais satisfação na profissão é perceberem que os alunos estão aprendendo. Entre os principais desafios listados na pesquisa, estão o desinteresse dos estudantes pelas aulas (31%) e a defasagem na aprendizagem dos alunos (28%). Sobre medidas que devem ser priorizadas pelo poder público, os profissionais citam oferta de apoio psicológico (18%), aumento no salário (17%), programas de reforço (16%) e incentivo ao envolvimento das famílias na vida escolar (14%). O levantamento foi realizado com mais de 6.700 professores que atuam nas redes municipal e estadual do país.

Os desafios listados pelos docentes ouvidos na pesquisa também são constatados nas escolas mineiras. Lecionando há mais 10 anos na rede pública de ensino, a professora Ione Clarice, de 32, lista uma série de problemas enfrentados diariamente nas duas escolas que atua, em Vespasiano, na região metropolitana de Belo Horizonte. “São muitos desafios, os meninos faltam demais então a frequência escolar é complicada. Tem caso de escola que o contato com a família é desafiador porque temos alunos com indisciplina e não temos ajuda da família. Além de não termos uma valorização do salário. Se você ganha bem fazendo o que gosta, você terá muita mais disposição e pode trazer mais recursos. Mas hoje trabalhamos porque gostamos, não é pelo salário”, afirma.

O baixo salário faz com que muitos docentes se dividem em mais de um emprego para conseguir uma renda melhor, o que resulta em uma rotina intensa de trabalho. O valor “extra”, no entanto, muitas vezes é usado para investir em atividades melhores para seus alunos, segundo Ione. “Quem dobra é justamente para ter um salário melhor, se eu trabalhasse um horário só e tivesse um salário legal eu teria mais tempo de preparo. Esse feriado (de 12 de outubro) estou elaborando simulados para o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), que vai avaliar os alunos no final do ano. Como eu não consigo fazer isso na escola, trago para casa. Também vou imprimir em casa porque na escola é limitado um número de cópias por semana, além de ser preto e branco. Então imprimo colorido em casa, a gente tira do salário para dar um serviço melhor para os alunos”, conta.

Para Denise Romano, presidente do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-ute), a remuneração é um dos maiores desafios da classe no estado. “Nós estamos em 2023 e Minas Gerais ainda não paga o piso. Os trabalhadores em educação precisam se alimentar, precisam  ter condições de alimentar suas famílias, e com esse salário praticado em Minas Gerais isso não é possível. O maior desafio que nós temos é continuar existindo como profissão, continuar existindo como profissionais que investem na sua carreira, que estudam, que se formam, porque da maneira como está, da forma como o estado pensa, não é possível ter sonhos pela frente, são só desafios, só obstáculos”, destaca.

Saúde mental e violência são “novos” desafios

Assim como Ione, Cassiana Matos de Moura, de 33, vivencia a sobrecarga e desvalorização profissional. No entanto, ela relata que tem convivido com uma situação de saúde nas escolas: o adoecimento mental dos alunos. “São muitos estudantes adoecidos, e isso reflete no trabalho do professor. E eu me vejo de pés e mãos atadas diante dessa situação porque o professor absorve isso. Não tem como eu encontrar com uma criança adoecida e fragilizada e não absorver”, destaca.

A jornada de Cassiana inicia às 5h15 da manhã, quando saí de casa no bairro Ipê, na região Nordeste de Belo Horizonte, para lecionar na primeira escola do dia, que fica há quase duas horas da onde mora. Pedagoga e Mestre em Ciências da Religião, ela atua como professora de Ensino Religioso para mais de 500 alunos de turmas do 6º ao 9°ano em duas escolas da rede pública de Contagem. A rotina exaustiva se soma a outra preocupação constante: o medo de ser vítima de violência.

“Por mais que eu tenha uma relação legal com os meus estudantes, não sei o que pode acontecer na cabeça dele, ou se vou falar algo que degrade e que ele possa querer revidar. Muitas vezes estou no quadro passando matéria, mas com o corpo virado porque nunca se sabe o que pode acontecer”, explica a professora, que revela que os profissionais da educação trabalham em estado de vigília constante.

Embora a vida em sala de aula tenha muitas dificuldades, Cassiana diz que não escolheria outra profissão. “Eu já tentei sair da profissão, procurei outros caminhos, mas meus olhos não brilhavam, então eu voltei para a sala de aula. Por mais que seja muito difícil, que a gente fique estressado, nervoso, afinal, nenhum trabalho é fácil, a educação tem um poder transformador de uma maneira que a gente não tem nem a capacidade de mensurar”, ressalta.

Opinião semelhante tem Ione Clarice, que afirma que o trabalho é cercado de momentos gratificantes. “Eu acho, eu tenho certeza (que é vocação). Eu gosto muito, sei que o salário não é compatível com o quanto me dedico, mas faço porque gosto muito. É muito bom ver os meninos conseguindo alcançar os projetos que estabelecemos. É gratificante porque você percebe que o seu trabalho está valendo a pena”, comemora Ione.

Assim como Ione e Cassiana, muitos outros professores se emocionam ao falar do legado da profissão. Lecionando há quase 30 anos, e atualmente sendo diretora de um colégio na região Nordeste da capital, Rita de Cássia, de 56, conta que é sempre emocionante ver em um adulto o resultado do que lhe foi ensinado na infância. “Sempre acreditei que nossa profissão fosse de importância muito além de transmitir conhecimentos curriculares. Me emociono ao me deparar com estudantes que passaram por mim ao longo dos meus anos de profissão e relatam o quanto foi importante nossas aulas de literatura brasileira e nossas oficinas de penteados que ajudaram sobretudo as meninas negras a valorizar em suas identidades. Ajudá-los a quebrar o ciclo vicioso das desigualdades, isso para mim é um retorno positivo da minha profissão dos mais caros”, se emociona.

Governo de Minas garante “valorização dos docentes”

Em meio aos desafios listados pelos docentes em Minas, a Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (SEE/MG) garante que tem realizado diversas ações voltadas para a valorização profissional dos docentes, como a retomada das nomeações e concessão de benefícios, que estavam atrasados e que agora encontram-se em dia. Segundo o governo de Minas, já foram publicados, aproximadamente, 262 mil atos de concessões de progressão e promoção da carreira dos servidores da educação, como forma de reconhecer e valorizar os profissionais que atuam na educação pública estadual.

A última ação aconteceu nessa quinta-feira (12 de outubro) quando foi publicada a lista de mais 2.809 concessões para evolução na carreira, sendo 1.853 de progressão e 956 de promoção. Assim, houve aumentos de 2,5% e 10%, respectivamente, na remuneração destes servidores.

Leia a nota na íntegra:

“A Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (SEE/MG) informa que, desde o início da atual gestão, tem realizado diversas ações voltadas para a valorização profissional dos docentes, como a retomada das nomeações e concessão de benefícios, que estavam atrasados e que agora encontram-se em dia. Já foram publicados, aproximadamente, 262 mil atos de concessões de progressão e promoção da carreira dos servidores da educação, como forma de reconhecer e valorizar os profissionais que atuam na educação pública estadual.

Nessa quinta-feira (12/10), por exemplo, foi publicada a lista de mais 2.809 concessões para evolução na carreira, sendo 1.853 de progressão e 956 de promoção. Assim, houve aumentos de 2,5% e 10%, respectivamente, na remuneração destes servidores.

Outra conquista importante, que também se estendeu a todos os servidores da administração estadual, foi o reajuste de 12,84%, concedido pela Lei Estadual nº 24.383/2023, com efeitos retroativos a janeiro/2023.

A SEE já publicou, somente neste ano, 57.377 concessões do Adicional de Valorização da Educação Básica (Adveb), benefício que está sendo pago aos servidores que têm direito. O Governo de Minas tem investido cerca de R$ 318 milhões nessa ação.

No final do mês de setembro foi publicado, no Diário Oficial de Minas Gerais, mais um lote com 1 mil nomeações de excedentes do concurso público realizado em 2017. Todas as nomeações desse 5º lote foram para vagas de Professores da Educação Básica (PEBs). Ademais, já foram nomeados mais de 19 mil candidatos, entre 2019 e 2023, aprovados nos concursos públicos regidos pelos Editais SEPLAG/SEE Nº 01/2011, 02/2014, 03/2014, 04/2014, 05/2014 e SEE Nº 07/2017.

Ressaltamos ainda que o novo concurso público da Educação está em andamento, com a oferta de 19.878 vagas para ingresso na rede de ensino estadual. As inscrições foram encerradas no dia 29 de agosto e as provas serão aplicadas em Belo Horizonte e nas cidades-sede das Superintendências Regionais de Ensino (SREs) nos dias 22/10 e 29/10.

Por fim, cumpre reforçar que os professores da rede estadual de ensino vêm cumprindo a carga horária estabelecida de acordo com a legislação vigente e que não há aumento da jornada de trabalho.”

O Tempo 

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