Política

Pela volta de visitas íntimas em presídios federais, facção contrata advogados e financia ONG

Como uma doença que se alastra e contamina órgãos estratégicos na estrutura dos Três Poderes da República, a facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) se mantém estruturada política e economicamente. A última investida da organização liderada por Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, envolve a manobra jurídiCa para garantir aos presos mais perigosos do país o direito de desfrutar de visitas íntimas.

A audácia e o poder de fogo bancado pelos milhões de reais amealhados com o tráfico de drogas transnacional cacifaram o PCC a lutar pela aprovação da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 518. O pedido questiona dispositivos de norma que regulamenta visitas íntimas em penitenciárias federais.

Para permanecer nas sombras, a facção usa uma Organização Não Governamental para encabeçar e tentar legitimar o pedido. O Metrópoles teve acesso ao material que sustenta a acusação. A pedido do Ministério Público de São Paulo (MPSP), o nome da entidade será preservada, neste momento, para não comprometer as investigações. Os documentos apontam transferências feitas pela facção à ONG, com sede no Rio de Janeiro, que somam até R$ 5 milhões. A entidade, por sua vez, atua na contratação de advogados para trabalharem em prol da ADPF perante a Justiça.

O promotor de Justiça Lincoln Gakiya, integrante do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), acompanha de perto a movimentação dos faccionados. O integrante do Ministério Público de São Paulo (MPSP) é a mais conhecida autoridade no combate ao PCC. “Trata-se de um problema de segurança nacional. Alguns dos presos de maior periculosidade do país não podem ter esse tipo de benefício”, enfatizou.

Marcola é considerado o mais influente e mais temido criminoso do país

Janela de oportunidade

Segundo Gakiya, além de Marcola, seria impensável conceder o benefício da visita íntima para detentos como Roberto Soriano, o Tiriça, apontado como o 02 do PCC. “São criminosos presos por ordenarem rebeliões e grandes crimes. A questão da visita íntima permite que esses líderes passem recados sem serem detectados”, observou. Cabe ressaltar que a proibição da visita íntima só se aplica aos detentos que cumprem pena em regime disciplinar diferenciado nos presídios federais. Nas penitenciárias convencionais, o benefício é concedido normalmente.

O promotor ressaltou que um estado permanente de vulnerabilidade tomaria conta de todo sistema penitenciário federal caso as visitas íntimas fossem concedidas. “Não haveria como monitorar e abriríamos uma janela de oportunidade para que orientações e ordens saíssem do presídio federal de maneira intensa e eficaz. Isso colocaria em risco autoridades e funcionários de praticamente todos os estados da Federação”, alertou.

O sinal de alerta no Ministério Público de São Paulo se intensificou após informações de inteligência identificarem que o PCC financiou a confecção de pareceres jurídicos que embasassem a ADPF e ainda questionassem a portaria do Ministério da Justiça que restringe as visitas íntimas nos presídios federais. As manobras ocorreram em cortes internacionais de direitos humanos.

Veja a entrevista com o promotor Lincoln Gakiya:

Conversas cifradas

Gakiya analisa o cenário de caos e terror que pode se instalar dentro e fora dos presídios federais caso as visitas íntimas beneficiem detentos de alta periculosidade que ocupam celas nos presídios federais. “Acredito que o Supremo Tribunal Federal (STF) deve apreciar esse caso com muito cuidado e sabendo que é uma situação de excepcionalidade, pois envolve parcela ínfima de presos no Brasil que não terão esse benefício”, disse.

Mesmo isolados por imposição do Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), ordens e orientações saem de dentro dos presídios e chegam aos ouvidos dos soldados do PCC. Em conversas monitoradas em um parlatório e mesmo separados por um vidro de grande espessura, os recados são transmitidos de forma cifrada.

As autoridades descobriram que os criminosos do PCC escolheram as siglas das duas maiores Cortes do país para disfarçar ordens de execuções e sequestros. O código “STF” seria a denominação para Marcola saber em que pé estão os planos para resgatá-lo. Quando os criminosos falavam em “STJ”, queriam transmitir ordens para ataques contra pessoas consideradas inimigas, a realização de sequestros ou assassinatos contra os alvos previamente definidos. “Tal situação é extremamente grave. Mesmo sendo monitorados e isolados, esses facionados conseguem passar recados. Imagine com a autorização para visitas íntimas”, finalizou o promotor do Gaeco.

Servidores na mira

Por questões de segurança e para não atrapalhar as investigações, o promotor não revela quais alvos estão na mira da facção criminosa. No entanto, Gakiya ressalta que a execução de servidores determinada pela cúpula do PCC não é uma exceção, mas uma prática sangrenta que se repete ao longo dos últimos anos.

O promotor lembrou do assassinato do juiz-corregedor de Presidente Prudente, Antônio José Machado Dias, morto a tiros em 14 de março de 2003. O plano do PCC para matar o magistrado, responsável por cuidar dos processos de execução criminal dos chefes da maior facção criminosa do país, começou a ser traçado no início de 2003.

Adilson Daghia, o Ferrugem; Reinaldo Teixeira dos Santos, o Funchal; e Ronaldo Dias, o Chocolate, executaram o juiz. Todos foram presos; e os mandantes, identificados. Funchal foi condenado a 66 anos de prisão; Ferrugem, a 52 anos; e Chocolate, a 47 anos. A pena para Marcola e Júlio César Guedes de Moraes, o Carambola, foi de 29 anos cada.

Facção tem suas próprias regras: uma delas é a proibição do uso de drogas na frente das crianças

Outros casos

Em períodos mais recentes, como noticiado pela imprensa do país inteiro, o PCC passou a planejar e colocar em prática emboscadas e assassinatos contra agentes federais de execuções penais. Em 2016, Alex Belarmino de Souza foi assassinado aos 36 anos a caminho do trabalho, em Cascavel, no Paraná. Segundo as investigações da Polícia Federal, o servidor foi morto em uma emboscada e recebeu 23 tiros. Ele trabalhava na penitenciária federal de Catanduvas.

No ano seguinte, mais dois servidores foram executados após receberem “salve” enviado pelos líderes da facção criminosa. Em 12 de abril, o agente Henry Charles Gama Filho foi morto a tiros em um bar em Mossoró (RN), cidade onde se localiza um presídio federal. Em 25 de maio, Melissa Almeida, psicóloga do presídio federal de Catanduvas (PR), foi atingida com dois tiros de fuzil na cabeça em frente a seu condomínio residencial, em Cascavel.

O promotor afirmou que mortes de servidores e autoridades dificilmente ocorrem sem o conhecimento dos integrantes da cúpula do PCC. “A morte do juiz em 2003 foi determinada por Marcola, quando ele estava preso em São Paulo”, explicou o Gakiya.

Delegado alvo

Outro alvo constante da facção é o delegado Ruy Ferraz Fontes, ex-diretor-geral da Polícia Civil de SP e atual chefe do Departamento de Operações Policiais Estratégicas (Dope). O policial já sofreu três ataques e saiu ileso de todos. Em dois deles, baleou criminosos e, em um dos episódios, o autor foi morto.

Em 2020, o então delegado-geral da Polícia Civil foi cercado por criminosos no Ipiranga, na Zona Sul de São Paulo. Fontes reagiu e baleou o suspeito, que fugiu ferido. Em abril de 2012, quando era delegado na Zona Sul, Ruy foi cercado por dois homens ao sair da Rodovia Anchieta, no ABC paulista. Durante o tiroteio, um homem morreu e outro foi ferido.

Metrópoles

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